Eu acredito que é possível conhecer o grau de apoio que o
outro tem a dar através de um longo abraço.
Na década de
40 do século passado, os profissionais de saúde tinham já uma apurada
consciência da presença de bactérias e microrganismos, e dos riscos que esses
implicavam para a saúde dos bebés recém-nascidos. A mortalidade infantil nos
EUA era nessa altura elevadíssima, pelo que, nos hospitais, tentavam não tocar
muito nos bebés, nem sequer pegá-los ao colo.
O
psicanalista René Spitz andava nesta
fase intrigado com um fenómeno que se constatava nas instituições em que os
bebés eram separados das mães (órfãos ou filhos de presidiárias): era nestas
instituições em que a mortalidade era maior, mesmo quando se encontravam bem
equipadas e com boas condições de higiene.
René
Spitz
debruçou-se sobre este assunto, vindo a concluir, com a sua investigação, que o
contacto humano e a interação afetiva são indispensáveis
para a sobrevivência do ser humano nos primeiros tempos de vida.
É por isso
que, hoje em dia, quando nasce um bebé prematuro, é provável que, na unidade de
cuidados intensivos, seja pedido à mãe para colocar o bebé junto ao peito, num
gesto de afeto que os profissionais de saúde designam por técnica do canguru.
Os números são reveladores: a Organização Mundial de Saúde assinala que esta
prática reduz as infeções nos recém-nascidos em cerca de 50%.
A importância
deste aconchego está patente numa outra experiência que se tornou bem conhecida
da ciência. O psicólogo Harry Harlow
descobriu que os macaquinhos-bebé, quando separados dos outros membros da
família, preferem uma máquina fornecedora de comida que se pareça com uma
mãe-macaco, em vez de tubos, manípulos e manivelas. É também nesta
"mãe" substituta que os macaquinhos se refugiam perante um estímulo
assustador. Harlow acha que a evolução colocou o primeiro alimento dos
mamíferos no peito das mães, não pelas vantagens do leite, mas para garantir
que eles passem mais tempo juntos e estabeleçam laços.
O
psicanalista John Bowlby foi
revolucionário nos anos 50 ao defender que os bebés nascem com o instinto, a
necessidade inata de estabelecer uma ligação com a mãe, ligação esta que ele
designou de vinculação. De facto,
desde então, muitos têm sido os estudos realizados sobre a relação mãe-bebé,
designadamente os de Mary Ainsworth,
que aprofundou o impacto da vinculação no desenvolvimento e na
personalidade da criança. Efetivamente, a importância da vinculação
reconhece-se hoje incontornável. A pessoa mais próxima do bebé, geralmente a
mãe, assume o papel de figura de
vinculação e constitui-se como base
segura, de onde o bebé parte para explorar e descobrir o mundo, mas onde
regressa à procura de conforto e segurança, quando se sente ameaçado ou em
perigo. A qualidade da vinculação interfere no comportamento e bem-estar dos
indivíduos, em diversos momentos e vários domínios do seu desenvolvimento,
inclusive na idade adulta. Com base na mesma teoria, diferentes investigadores
(Muderrisoglu, Levy, Jordan, Searle) constataram que indivíduos que
estabeleceram uma boa vinculação, em comparação com sujeitos cuja vinculação
foi mais pobre, revelam valores mais baixos de stress, usam estratégias
defensivas mais adequadas, são menos impulsivos e menos propensos à depressão,
agressividade, consumo de álcool e drogas, raiva e ansiedade. Contudo, estas
implicações não constituem uma condenação obrigatória, pois, segundo Maria Cristina Canavarro, investigadora
da Universidade de Coimbra, as relações estabelecidas pelo adulto podem ter um
importante papel reparador. No livro
que resume a sua pesquisa, Relações
Afetivas e Saúde Mental, Maria Cristina Canavarro assinala que a saúde mental das pessoas que sentem
que tiveram pouco suporte emocional dos pais na infância ou na adolescência
depende da qualidade das relações afetivas que vieram a vivenciar na idade
adulta.

No fundo, a
importância do contacto físico, da proximidade, da segurança do afeto, do amor permanece
durante toda a vida. Em 2000, os psiquiatras Thomas Lewis, Fari Amini e Richard
Lannon juntaram-se para compilar décadas de conhecimento transdisciplinar sobre
o amor. No seu livro Uma Teoria Geral do
Amor, reforçam que "as crianças não são as únicas cujos corpos reagem
à complexidade de uma perda: a função cardiovascular, os níveis das hormonas e
os processos de imunidade passam por alterações nos adultos que sofrem uma
separação prolongada".
Muitos
autores referem que o toque, o abraço, são extremamente terapêuticos, como é o
caso da enfermeira Dolores Krieger
que demonstrou, na sua investigação em meio hospitalar, que o toque produz
significativas alterações fisiológicas em pessoas com diferentes tipos de
doenças. Professora na Escola de Enfermagem da Universidade de Nova Iorque, Dolores Krieger conduziu
diferentes estudos sobre os efeitos do toque e, repetidamente, verificou que,
quando a pessoa é tocada, o "nível de hemoglobina no sangue aumenta, o que
representa uma maior oxigenação de todos os órgãos do corpo, incluindo coração
e cérebro. O aumento da hemoglobina ativa todo o corpo, previne doenças e
acelera a recuperação do organismo no caso de alguma enfermidade."
Sue
Gregory
e Julie Verdouw estudaram o impacto
do toque terapêutico na diminuição da dor em pessoas com várias patologias,
tendo encontrado uma impressionante diminuição de 40%. Verificaram que feridas
cirúrgicas cicatrizam mais rapidamente e desenvolvem menos infeções, as
queimaduras recuperam melhor, e o medo e a ansiedade são mais fáceis de gerir.
David Bresler, psicólogo,
enquanto fundador e diretor da Unidade de Controlo da Dor da Universidade da
Califórnia, também chegou a receitar abraços aos seus pacientes, assim como o reconhecido
psiquiatra da Fundação Menninger, Dr.
Harold Voth. Segundo o mesmo, e tendo já sido provado que a depressão
influencia o sistema imunitário, os
abraços - enquanto manifestação física de afeto - funcionam como um
excelente antidepressivo, reforçando o sistema imunitário. De tal forma que a
enfermeira Katheleen Keating escreveu um livro intitulado A Terapia do Abraço.
Com todos
estes benefícios, é simples perceber como o "movimento de abraços
grátis" se estendeu a mais de 80 países, segundo o site da Free Hugs Campaign (http://www.freehugscampaign.org/). Tudo
começou quando, em 2004, o australiano Juan
Mann decidiu colocar-se no cruzamento mais movimentado de Sydney segurando
um cartaz onde se lia, dos dois lados, "abraços grátis"!
Este gesto
correu mundo e o princípio é simples: oferecer um abraço a um desconhecido,
fazer o dia de alguém um pouco melhor... relembrando como, atualmente, o amor e
as manifestações de afeto são tantas vezes relegadas para segundo plano.
No seu livro,
Thomas Lewis, Fari Amini e Richard Lannon
lembram Walker Percy: “o homem
moderno alheia-se da essência, da sua própria essência, da essência das outras
criaturas do mundo, da essência transcendental. Ele perdeu algo - o quê, ele
não sabe; só sabe que está aborrecido de morte, por causa de o ter perdido”.
Dizem os autores que "o elemento misterioso ausente, consiste numa imersão
profunda e duradoura em laços comunitários. O amor, em todas as suas formas
variadas e múltiplas, é o eixo em torno do qual rodopiam as nossas vidas. Sem
essa âncora biológica, todos nós somos atirados para fora, sozinhos, para uma
escuridão nociva".
Por este
motivo, há também quem se tenha lançado de pés e cabeça à procura de uma nova
forma de viver. A Humaniversity foi fundada em 1978, na Holanda, sendo uma
comunidade terapêutica e ao mesmo tempo uma escola. Descreve-se como uma
universidade para o crescimento, desenvolvimento e realização do ser humano.
Funciona como uma família estendida que se rege pelos valores do amor,
respeito, cuidar uns dos outros, responsabilidade, cooperação e honestidade.
Diz Veeresh, o fundador, que o ser
humano precisa primeiro de amor, depois precisa de amar e, finalmente, neste
processo de dar e receber, é criado o amor por si próprio. A amizade, o
elemento central em estudo na Humaniversity, é considerada a mais elevada
experiência da arte de ser humano (http://humaniversity.com/).
E se a
Universidade da Amizade parece demasiado afastada da realidade do nosso dia-a-dia,
é altura de prestar atenção a uma professora de Enfermagem da Universidade do
Colorado. Além de autora com publicações a nível internacional, tornou-se
também mentora de enfermeiros no mundo inteiro que mudaram o seu trabalho de
acordo com as suas orientações (designadamente as Escolas Superiores de
Enfermagem de Angra do Heroísmo e Maria Resende, em Lisboa). Diz a autora: “em
vez de nos perguntarmos como nos podemos atrever a trazer amor para as nossas
vidas e para o nosso trabalho, podemos perguntar-nos, como podemos suportar não
o fazer?".
Aguardemos o
futuro em que a "ciência do amor" conquiste o espaço merecido nas
prioridades do sistema de saúde, no Ministério da Educação, no Código do
Trabalho, na ação dos políticos e na nossa lista de prioridades quotidianas.
Eu
acredito que é possível conhecer o grau de apoio que o outro tem a dar através
de um longo abraço. E além de apoio e segurança, é comprovado que o abraço faz
bem à saúde.
Sendo
assim, um abraço a todos!
A Psicóloga Cidália Ribeiro